Arqueologia da Vila Vistoza da Madre de Deus

Archeology of the Vila Vistoza da Madre de Deus

Desde 1763, quando tomou posse como Governador do Grão Pará e Maranhão, Fernando da Costa de Ataíde Teive comandava no Estado a execução do plano de povoar e defender aquelas terras do Norte. Garantir a defesa do acesso ao rio das Amazonas era uma tarefa das mais árduas. Apenas o estabelecimento de povoadores, de colonos fixados na área, poderia manter permanentemente forças de defesa. Desde 1751 colonos açorianos haviam sido enviados para Macapá, ponto estratégico de defesa do canal Norte do Rio Amazonas. A área já havia sido palco de investida de muitos aventureiros. Ingleses, franceses e holandeses já haviam tentado se estabelecer na área. Também os portugueses lutavam por sua posse.

A estratégia adotada desde cedo durante o reinado de D. José I, fora a de buscar povoar a Amazônia. Muitas das missões religiosas foram transformadas em vilas, adotando o nome de vilas portuguesas. Povoados e mesmo vilas foram criadas, sessenta ao todo, apenas entre os anos de 1755 e 1759.

Mas a defesa está alicerçada não apenas nas obras de engenharia. Requer homens, requer suporte de mantimentos, sobretudo sob a ótica da 'guerra de cerco'. Outras povoações seriam necessárias para dar suporte a Macapá. Assim é que, em 1767 o Desembargador Feliciano Ramos Nobre Gusmão, encarregado pelo governador Fernando da Costa de Ataíde Teive, vem a fundar a Vila Vistoza da Madre de Deus.

O local escolhido foi à margem do Rio Anauerapucu, que deságua no Amazonas. Embora distante de Macapá, as vilas podiam se comunicar diretamente através dos rios. Segundo o relato do próprio Desembargador Feliciano Ramos Nobre Gusmão, seis meses foram suficientes para que 112 casas de madeira fossem construídas. Cuidou ainda neste tempo da construção da igreja e da casa do pároco. Mais tarde, em 1769 quando Mendonça Furtado informa ao Governador Fernando da Costa de Ataíde Teive da decisão de D. José de transferir a população de Mazagão, em Marrocos, para a Amazônia, sugere que o local a ser escolhido para a nova vila seja tal que sua população possa vir a dar apoio às vilas de Macapá e Vila Vistoza. Do mesmo modo que aconteceu a muitas vilas de então, no século XVIII, Macapá, Vila Vistoza e Nova Mazagão foram assoladas por epidemias.Também como outras vilas de então, desgostosa com a situação, e provavelmente atribuindo as moléstias aos 'maus ares', a população migrou, e a antiga vila desapareceu.

Hoje, da Vila Vistosa da Madre de Deus, restam apenas a memória inscrita nos documentos. Diante da população atual nem mesmo se mantêm as memórias transmitidas através das gerações. O quanto resta do traçado da antiga vila, de suas construções, não se sabe ao certo. Abandonada, foi tomada pela mata que hoje possivelmente esconde suas ruínas. Mas certamente existirão vestígios daqueles tempos que poderão ser resgatados arqueologicamente. Quando da migração de sua população, o abandono das casas, quanto teria sido deixado para trás, além de seus mortos? Como eram as construções das casas e das obras públicas de então? Estas são algumas das perguntas que freqüentemente se faz, cujas respostas permitiriam uma visão do que seriam as vilas planejadas para o Brasil. Tema sobremodo importante, haja vista a recorrência das afirmações de que as cidades brasileiras dos primeiros séculos não seriam planejadas, nasciam e cresciam espontaneamente, sem atender a uma diretriz.

A descoberta das ruínas de Vila Vistoza da Madre de Deus foi possível graças ao apoio do governador do Estado do Amapá, Antonio Waldez Góes da Silva, que tem como uma de suas metas de governo o resgate do patrimônio arqueológico de seu Estado. O trabalho de campo, que redundou na localização das ruínas, foi realizado por uma Unidade de Prospecção e Reconhecimento, (UPR), do Laboratório de Arqueologia da UFPE, a qual foi incorporado o arquiteto Alcir Matos, Secretário de Infra-Estrutura do Amapá, com quem dividimos o mérito da descoberta.

Contamos ainda com a ativa participação da 2a Superintendência Regional do IPHAN, sobretudo através de seu então superintendente o prof. Dr. Cristóvão Duarte. A prospecção arqueológica realizada nas margens do Rio Vila Nova, por solicitação conjunta do Governo do Amapá e da 2ª SR do IPHAN, revelou paredões em ruínas, localizados em meio a mata. Ruína de uma igreja, que possivelmente está relacionada à antiga Vila Vistoza da Madre de Deus.

Durante esta campanha, foi efetuada a supressão da vegetação arbórea, cujo rebatimento, por queda eventual, pudesse danificar as ruínas. No momento está sendo elaborado um projeto de pesquisa, para ser apresentado ao IPHAN, objetivando a descoberta da malha urbana desta cidade pombalina.